top of page

12 de mai. de 2025

Fórmula milagrosa previu quem seria o papa?

Por Hindemburg Melão Jr.




 

Há alguns minutos, me apareceu no LinkedIn uma postagem com o título sensacionalista “Dados revelaram o futuro papa antes da votação”. Obviamente está errado. Para começar, porque foi anunciado depois da votação. É muito fácil testar diversas estratégias preditivas diferentes e, depois que os resultados são conhecidos, escolher aquela que se mostrou consistente com a realidade. Não estou dizendo que o autor do artigo citado fez isso. Estou dizendo que milhares ou até milhões de pessoas fizeram suas “profecias” por diferentes métodos, sendo que o número desses “profetas” é muito maior do que o número de candidatos ao sumo pontificado, de modo que, obviamente, vários “profetas” acabariam “acertando”, não porque usaram alguma estratégia superior ou fizeram alguma previsão milagrosa, mas simplesmente porque o número de previsões era muito maior do que o número de casos “possíveis” (ou “razoavelmente” elegíveis).

 

É como nas loterias. Com probabilidade de cerca de 1 em 50.000.000 de ganhar na Mega Sena e centenas de milhões de bilhetes de aposta, é natural que um ou mais acabem acertando, não porque profetizaram algo, mas por simples acaso.

 

Claro que não é a mesma coisa. A Ciência de Dados é extremamente importante e tem um poder preditivo extraordinário, mas é fundamental compreender que esse poder preditivo é probabilístico, o que torna o título gravemente incorreto e sensacionalista, porque os “dados não revelaram o futuro papa”. Os dados simplesmente mostraram quem eram os candidatos mais prováveis, assim como acontece nas eleições presidenciais. As pesquisas de intenção de voto não “revelam” quem será o próximo presidente. Apenas mostram as porcentagens prováveis de votos para cada candidato, podendo também ser feita uma análise mais completa, que indique qual a probabilidade de cada candidato ser eleito. Nesse ponto é onde se observa o erro mais grave desse título, porque, na verdade, a probabilidade de que esse papa fosse eleito era MUITO menor do que a probabilidade de que algum outro fosse eleito.

 

O autor da postagem não especificou se são as áreas dos círculos ou os diâmetros dos círculos que indicam a probabilidade, ou se alguma outra métrica não exibida visualmente, mas é bastante óbvio que a soma de todas as áreas dos outros círculos é MUITO maior que a área do círculo do papa eleito. Se fosse considerar o diâmetro, a diferença seria ainda maior.

 

Isso fica mais fácil de compreender usando novamente o exemplo da loteria, mas em vez de LOTO ou MEGASENA, que podem ter bilhetes repetidos e mais de um acertador, o exemplo ficará mais didático se considerar Loteria Federal, que tem bilhetes únicos, sem repetição. Os diferentes apostadores compram diferentes números de bilhetes e isso faz com que alguns apostadores tenham chances muito maiores do que outros. Eles podem ser ranqueados, de acordo com a probabilidade de cada um, conforme o número de bilhetes que cada um comprou. Ao fazer isso, pode-se constatar que o apostador com maior número de bilhetes tem 0,082% de probabilidade de ganhar, ou seja, ele tem 0,082% de todos os bilhetes impressos, e nenhum outro apostador tem tantos bilhetes quanto ele. Porém ele tem 99,918% de probabilidade de não ganhar. Se todos os bilhetes tiverem sido vendidos, significa que há 99,918% de probabilidade de que o ganhador não seja o que tem mais bilhetes, porque embora ele tenha mais do que qualquer um dos outros, a soma dos outros tem muito mais do que ele sozinho.

 

É exatamente a situação do papa. Por isso é um erro primário interpretar esse grafo de rede (também conhecido como “sociograma” nesse contexto ou “mapa de conexões”) como tendo “revelado o futuro papa. Mesmo que o círculo do papa eleito tivesse uma área maior do que a soma das áreas de todos os outros círculos, ainda haveria vários erros. Citarei alguns:

 

1.      O primeiro erro é porque as áreas dependeriam dos critérios usados para fazer as ponderações e calcular os tamanhos das áreas. Existem diferentes métodos para isso, que podem levar a resultados distintos.

2.      O segundo erro é porque mesmo que todos os métodos gerassem resultados indicando um círculo para o papa eleito maior que a soma de todos os outros círculos, ainda estaria indicando apenas uma probabilidade, com uma incerteza no resultado. Não estaria “revelando”.

3.      O terceiro erro já foi comentado desde o início, porque a construção desse sociograma é apenas um entre os vários métodos possíveis para se utilizar os dados disponíveis com o propósito de fazer esse tipo de previsão.

4.      O quarto erro é que o grafo não está ponderando as intensidades das conexões. Todas são representadas por apenas uma linha, com mesma espessura e mesma cor. Mas é evidente que algumas relações são muito mais próximas que outras, e diferentes tipos de vínculo têm pesos distintos dependendo do contexto. Esse erro, na verdade, desdobra-se em pelo menos três erros:

a.      O número de linhas que estabelece cada conexão poderia indicar o número de relações (social, comercial, afetiva etc.);

b.      A espessura indicaria a intensidade de cada vínculo;

c.      A cor indicaria o tipo de conexão, ou hierarquia, frequência de contato ou duração da relação etc.

5.      O quinto (ou sétimo) erro é porque existem diversos fatores extrínsecos aos dados coletados que também interferem no processo e não foram computados.

 

Além de outros erros... Está tratando de um problema extremamente complexo de forma muito simplória, como se eleger o novo papa fosse algo tão simples quanto escolher a cor de uma camisa. Chega a ser ofensivo ao colegiado de Cardeais responsáveis por essa liturgia.

 

Enfim, pura e simples postagem superficial e impregnada de erros, explorando a ingenuidade dos leigos que se impressionam facilmente com qualquer coisa tecnicista, especialmente quando tem alguma aparência de conexão com a moda das IAs.

 

O acolhimento e a viralização desse gráfico refletem a triste situação de um país no qual 73% das pessoas [*] não sabem multiplicar nem resolver um problema de porcentagem, elegem os piores presidentes e “engolem” qualquer discurso pomposo acompanhado de um gráfico bonito e algumas frases de efeito.

-------

[*] Dados do PISA 2022 sobre Educação: https://download.inep.gov.br/acoes_internacionais/pisa/resultados/2022/apresentacao_pisa_2022_brazil.pdf

 

 

Saiba seu QI em 40 minutos!- STF

bottom of page