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Mequinho, o perfil de um gênio, de Rubens Filguth

Por Hindemburg Melão Jr.


“Mequinho, o perfil de um gênio” é um livro de grande importância histórica, que contribui para preservar a memória do Xadrez brasileiro, com vários relatos interessantes, alguns comoventes, outros engraçados, sobre a vida do maior jogador de Xadrez do Brasil de todos os tempos e um dos maiores talentos do Xadrez no século XX, inclusive é citado várias vezes na coleção de Kasparov “Meus grandes predecessores”. Num dos trechos, Kasparov comenta que Korchnoi superou todas as expectativas ao vencer Mecking e Petrosian. Mais adiante, quando comenta sobre Karpov, ele se refere ao Mequinho como “Pelé do Xadrez”. O pessoal das novas gerações talvez não tenha uma ideia clara sobre quem foi Mequinho e o nível de excelência que ele alcançou. Aos 24 anos foi o 3º melhor do mundo, tem escore 2,5 x 0,5 contra Smyslov, 1 x 0 contra Tal e 5 x 2 contra Najdorf (3 vitórias, 4 empates, 0 derrotas), foi campeão de dois Interzonais (proeza só igualada por Fischer). Há uma história que se conta sobre o Mequinho, mas não consta neste livro, que no primeiro campeonato brasileiro do qual ele participou, aos 13 anos de idade, o heptacampeão brasileiro João de Souza Mendes estava jogando blitz e oferecendo 5x1 contra qualquer pessoa, e vencendo. Então o Mequinho entrou na fila, chegou sua vez de jogar, o pequeno garoto se sentou e venceu, com bastante facilidade, diga-se de passagem, então comentou: “agora eu vou dar 5x1 para o senhor!” E passou a jogar oferecendo vantagem de 5x1 ao melhor jogador do Brasil, e o venceu mesmo assim! Mequinho foi um dos campeões nacionais mais jovens da História, com 13 anos. Até onde sei, nesse item só fica atrás de Capablanca, já que Fischer, Short e Pomar foram campeões nacionais aos 14, e Morphy não chegou a disputar campeonatos dos EUA nesta idade (se tivesse, teria vencido aos 12). Aliás, o caso de Capablanca é polêmico, porque aos 12 anos ele venceu um match de 12 partidas contra o então campeão cubano Juan Corzo, mas parece que esse evento não teve o status de campeonato nacional, portanto, oficialmente o recorde de campeão nacional mais jovem de todos os tempos e de todos os países talvez seja do Mequinho. O livro também contém partidas comentadas pelo autor, o MI Rubens Filguth, que foi vice-campeão brasileiro em 1986, contém resultados de torneios, contém várias das vitórias mais importantes de Mequinho contra campeões mundiais, suas partidas quando ainda era criança, mas a parte mais curiosa são os relatos sobre sua conduta extra tabuleiro, com muitos episódios engraçados, alguns tristes e alguns dramáticos. O próprio Mequinho não gosta muito desse livro, porque sua vida é apresentada de forma jornalística (jornalística de boa qualidade), revelando aspectos positivos e negativos, revelando o homem por trás do mito, com suas virtudes e vicissitudes, seus talentos e fraquezas. Há depoimentos e entrevistas de várias pessoas que conviveram com Mequinho em diferentes fases de sua vida, que contribuíram para sua formação e seu treinamento, contribuíram para financiar ou obter financiamento para suas viagens etc. Em alguns trechos do livro “Meus grandes predecessores”, Kasparov zomba de Mequinho, não sem motivos, já que as declarações excêntricas que ele fez em algumas ocasiões praticamente pediam por isso. Por exemplo: pouco antes de perder seu match contra Korchnoi, em 1974, Mequinho declarou “Só Karpov e eu é que podemos arrancar o título de Campeão Mundial de Fischer”, ao que Kasparov comentou: Ao saber disso, Karpov deve ter pensado: “Sem dúvida, não seria mal encontrar Mecking no match final de candidatos... Mas isto seria pouco provável. Eu achava que nós dois ainda éramos muito inexperientes para disputar o match final. Todos os meus grandes torneios internacionais podiam ser contados nos dedos e, portanto, significavam muito pouco para disputar o título de Campeão Mundial. Seria mais realista depositar minhas esperanças nos próximos três anos. Por isso é que disse aos jornalistas: este não é o meu ciclo”. Embora o comentário de Mequinho tenha soado meio arrogante, era também bastante realista, e se não tivesse sido acometido por sua doença (miastenia gravis), teria realmente boas chances de ser campeão mundial. Além disso, Kasparov não tem tanta moral para criticar a falta de modéstia nos outros. Talvez o comentário de Kasparov não tivesse sido apenas pela falta de modéstia, mas também pela falta de autocrítica, que é um traço realmente marcante na personalidade de Mequinho. Conheci várias pessoas que se aproximaram dele para ajudá-lo de diferentes maneiras, e se afastaram devido a alguns hábitos que ele conserva desde a infância. Eu, por exemplo, no match que ele jogou contra o Vescovi em 2000, o ajudei de diversas maneiras, os amigos Sandro Daniel Minetto de Carvalho, Rafael Zakowicz, Luis Roberto Franco Freitas, Eduardo Krempel contribuíram também, de diferentes formas. Foi graças ao Sandro que o Mequinho saiu de sua “caverna”, onde vivia como eremita, e retornou aos tabuleiros em 1999, o Sandro o incentivou a voltar a jogar, o ensinou a usar computadores, instalou e o ensinou a usar vários programas, o ajudou a buscar patrocínio etc., mas além de nunca receber um agradecimento sequer, teve outros problemas que o levaram a se afastar e a guardar uma memória amarga desse relacionamento. No livro do Filguth são citados vários episódios similares, nos quais fica clara a reincidência sistemática dessa conduta, ao longo de toda a vida do Mequinho. Alguns relatos provocam risos, tamanha a excentricidade de determinadas atitudes, mas se examinar mais a fundo, revelam uma situação muito triste, de uma pessoa que poderia ter ido muito mais longe e contribuído para que as futuras gerações também fossem. O que Chigorin e Botvinnik fizeram na URSS, poderia ter sido feito pelo Mequinho no Brasil, mas fez quase o contrário. Em alguns aspectos, acho compreensível a postura dele, porque ele recebeu relativamente pouco em comparação ao que merecia. De acordo com o Filguth, antes do Anand se tornar GM, já recebia um estipêndio de $ 1 milhão de dólares anuais do governo da Índia, enquanto o Mequinho, mesmo tendo sido um prodígio mais precoce que o Anand, não recebia nada do Governo nem de empresas privadas brasileiras. Porém recebeu muito apoio de vários jogadores e dirigentes, com destaque para o Dr. Luiz Tavares da Silva e Luiz Ney Menna Barreto, que desempenharam papel muito importante no início de sua carreira, mas foram tratados com injustificada ingratidão. Claro que nada disso reduz os méritos do jogador, do atleta, do artista, do cientista. Mas criaram barreiras para ele próprio que não precisam ter existido. Sua visão utilitarista das pessoas que o cercam e sua conduta unilateral acabaram deixando sua vida meio vazia, com “amigos” recicláveis. Não sei dizer se Vescovi, Leitão, Milos e Fier são tão brilhantes quanto o Mequinho, talvez não sejam, mas são pessoas muito mais maduras socialmente e emocionalmente, o que lhes permitiu alcançar um nível de sucesso, reconhecimento e qualidade de vida muito melhor.





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